Desafios e oportunidades para a restauração no Brasil: Produtores Rurais

O último texto da série da ATLAS Florestal sobre os desafios e as oportunidades para a restauração no Brasil apresenta a visão de quem é a base desta cadeia: os produtores rurais. John Wesley Pontes de Andrade, produtor do Sítio dos Andrade, dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Despraiado, em Iguape (SP), e Cintia Tiemi Shigihara, bióloga e produtora rural do Sítio Jardim dos Vagalumes, em Mogi das Cruzes (SP), contam sobre as maiores dificuldades que enfrentam neste setor e como têm agido em parceria com a ATLAS para solucionar esses problemas e abrir novos caminhos. 

Os produtores são a base da cadeia da restauração. “Eles são os detentores das áreas e são eles que tomam a decisão do que fazer, dando estrutura e dinâmica para a paisagem”, afirma Elder Rodrigues, co-CEO da ATLAS. 

John Wesley conta que foi em uma das primeiras interações com a ATLAS Florestal que lhe foi apresentada a possibilidade de roçar sem precisar queimar a área.“Roçamos, plantamos e colhemos mandioca e milho excelentes. Foi uma experiência única. Provou que é possível atingir o mesmo resultado, mas sem prejudicar o meio ambiente”, conta. 

Um dos grandes desafios que o produtor encontra nessa jornada é o de vender seus produtos considerando o valor agregado. “Sabemos o preço que nossas colheitas merecem. São produzidas de forma agroecológica por uma comunidade tradicional dentro de uma RDS. Ainda assim, estamos competindo com produtos cheios de agrotóxico na feira. Muitas pessoas não entendem a burocracia que está por trás de um selo orgânico e só confiam nos produtos que apresentam a certificação”, explica John. 

O produtor ainda ressalta que ele e sua família se beneficiam do plantio de alimentos orgânicos, mas que só isso não é suficiente para viver. “Nós também temos sonhos. Queremos roupas boas, casa, carro. A gente não vai comer somente o que planta. Somos seres humanos e almejamos uma vida melhor para nós e para nossos filhos. Moramos em uma RDS e isso já poderia ser um caminho. Mas também seria interessante ter um local específico para vendermos e que valorizasse aquilo que produzimos”. 

É certo que produzir dentro de uma comunidade agrícola tradicional dentro de uma unidade de conservação de uso sustentável tem suas peculiaridades, desafios e benefícios. É importante destacar que essas comunidades realizam o manejo correto e sustentável dentro dessas áreas. “Existe uma necessidade das florestas serem coletivas e disso ser feito pelo manejo adaptativo e viabilizado pelo homem. É urgente que essas comunidades possam monetizar corretamente e agregar valor aos produtos de origem tradicional em reservas de desenvolvimento sustentável. Muita gente não sabe que é possível produzir ali dentro, em harmonia com a natureza”, ressalta Elder.

Outra oportunidade que vem surgindo dentro de áreas de restauração é a do turismo local. “A ATLAS já trouxe cerca de 12 pessoas para conhecer o trabalho que realizamos aqui no sítio. Juntos, fizemos mais um pedaço de chão. Tivemos mais renda dentro de casa com a vinda dessas pessoas. É disso que precisamos agora: trazer algo que gere renda aqui dentro”, conclui.

Cintia Tiemi Shigihara, bióloga e produtora rural do Sítio Jardim dos Vagalumes, em Mogi das Cruzes (SP), tem a mesma visão. Seu sítio está na família desde 1929 e ficou conhecido pela produção de caqui. Por cinco anos, a produção própria ficou parada e parte do terreno foi arrendado. Hoje, a ideia de focar em turismo local, com chalés de bioconstrução, é um dos objetivos do local, que recebe três projetos da ATLAS e trabalha com sistemas agroflorestais. “A ATLAS nos trouxe recursos financeiros. Há mais de 10 anos eu tinha vontade de implantar uma série de projetos aqui, inclusive, um viveiro de mudas nativas, mas não tinha o recurso necessário. A ATLAS nos conectou com aqueles que desejavam financiar projetos de crédito de carbono”, explica Cintia.

Segundo a produtora, a empresa se destaca por dar continuidade e acompanhar os projetos. “Para nós, é muito importante que os projetos tenham começo, meio e fim e que as empresas dêem assistência ao longo desse processo. Sozinhos, é comum desistir no meio. Quando temos outras partes envolvidas, existe um compromisso para que esses projetos cheguem até o fim e isso nos tranquiliza, pois sabemos que não será outra história abandonada”. 

Cintia também relata que apesar do trabalho contínuo de provar para sua família os benefícios das produções orgânicas e agroflorestais, os resultados dos últimos projetos têm gerado enorme contentamento para a família, que decidiu adotar outras ações sustentáveis. “A sustentabilidade tem vindo em primeiro lugar também quando falamos em economia financeira. Os adubos estão cada vez mais caros e, agora, minha mãe também entendeu a importância de fazermos uma composteira para garantirmos nosso próprio adubo. Hoje, minha família sabe que se não cuidarmos do sítio, perderemos o patrimônio que nosso bisavô nos deixou”, explica.

Nos últimos 3 anos, a parceria com a ATLAS florestal garantiu a restauração das áreas degradadas pelo arrendamento e também a estrutura do viveiro de mudas nativas. “Ainda precisamos esperar alguns anos para que a agrofloresta dê os primeiros frutos. Queremos adentrar o mercado com nossos produtos e cuidar de nossas mudas para repor as que foram perdidas e também para vendê-las. Elas serão o produto de giro que precisamos para manter a floresta de pé. Nosso maior desejo é tornar o sítio sustentável também financeiramente”, enfatiza Cintia. 

Hoje, o Sítio Jardim dos Vagalumes faz parte do cinturão verde de São Paulo (SP) e é referência em agricultura sustentável. “Somos um cartão postal dos projetos do ATLAS na região. Mas não adianta sermos uma ilha cercada de sítios que ainda insistem na monocultura que degrada o meio ambiente. Precisamos servir de inspiração para eles se renovarem também. Muitos já mostram interesse ao testemunhar os excelentes resultados que temos em nossa propriedade”, conclui. 

Hoje, a ATLAS trabalha com 21 produtores rurais nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Amazonas e Maranhão, em uma área de cerca de 350 hectares. A meta para 2024 é atingir 100 proprietários rurais e 1.200 hectares restaurados. 

Nicole Wey Gasparini

Nicole Wey Gasparini

Jornalista, escritora e trabalha freelancer na área de sustentabilidade e crise climática. É autora do livro “Boon na minha vida - uma jornada pela Ásia” (Bambual Editora) narrado a partir da imersão que realizou durante seis meses para cinco países asiáticos, aos 21 anos. Nos últimos anos, morou em diferentes cidades brasileiras, no Peru e, atualmente, vive uma nova jornada na Amazônia paraense.

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