Entrevista com Tainah Godoy – Diálogo sobre a Restauração florestal no Brasil

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Tainah Godoy | Analista Sênior de Relações Institucionais da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura e e Secretária Executiva do Observatório da Restauração e Reflorestamento.

Insights e Soluções para um futuro Sustentável

A alteração do uso do solo, impulsionado principalmente pelo mercado ilegal de terras públicas e privadas, é o principal emissor de gases causadores do efeito estufa. A redução do desmatamento e recuperação de terras degradadas é uma das principais agendas de clima. Estima-se que no Brasil existam 55% de áreas degradadas de pastagens, correspondentes a 97,7 milhões de hectares de áreas degradadas, sendo 44,30 milhões de hectares (45,34%) com alto grau de severidade e 53,40 milhões de hectares com degradação intermediária principalmente.

Se tem algo que é consenso científico é que, quanto maior a diversidade de espécies nativas utilizadas na restauração florestal, maior chance temos de restaurar os serviços ecossistêmicos daquela região, impulsionando a economia local e reduzindo o desmatamento.

Restauração florestal e o Governo Brasileiro

A 1ª edição do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG) foi lançada pela Portaria Interministerial nº 230, de 14 de novembro de 2017, e completou cinco anos de implementação em 2022. 

A elaboração e publicação do PLANAVEG à época foi um marco para o planejamento e coordenação da recuperação da vegetação nativa em nível nacional no Brasil, sendo fruto de um grande e dedicado esforço conjunto coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) junto a diversos parceiros governamentais e setores da sociedade.

E é a partir desse contexto que, em 2023, o governo brasileiro, então sob a liderança do Presidente Lula e da Ministra Marina Silva, iniciou o processo de revisão do PLANAVEG

Um diálogo com as vozes do setor

Para falar sobre esse assunto tão relevante hoje iremos entrevistar Tainah Godoy, Analista Sênior de Relações Institucionais da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura e e Secretária Executiva do Observatório da Restauração e Reflorestamento. Geógrafa e Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade da Amazônia, trabalhou com assistência técnica e extensão rural pautadas nos princípios da agroecologia e sistemas agroflorestais desde a graduação, tendo experiências em diversos territórios e regiões brasileiras. Atualmente, na Coalizão Brasil, lidera temas como restauração, segurança alimentar, combate ao desmatamento e monitoramento da restauração.

1. Como você enxerga a situação do país em termos de restauração florestal e combate ao desmatamento? 

O cenário para a restauração está se aquecendo devido a diversos fatores. Mas antes de entrar nos detalhes, gostaria de chamar a atenção para o termo que utilizamos. Restauração florestal acaba por não ser inclusiva dentro da grande diversidade de biomas e fitofisionomias não florestais que existe no Brasil. O ideal seria, ao menos no Brasil, utilizar a expressão restauração ecológica, ou restauração de ecossistemas.

Devido ao cenário atual de queimadas recordes, discussão da nova NDC (que deve ser apresentada na COP 29) e elaboração do plano Clima o desmatamento está cada vez mais nos debates, e de forma bem polêmica, e a restauração pega um pouco dessa carona, além de ter por si só o seu cenário aquecido por outros fatores como o recente processo de revisão do PLANAVEG (que foi lançado para consulta pública dia 10/09), e o interesse de empresas nacionais e estrangeiras na compensação de carbono via créditos de restauração.

2. Nos conte um pouco sobre a Coalizão e o trabalho que a organização desenvolve na agenda climática.

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura surgiu oficialmente em 2015 durante o Acordo de Paris. Sua criação está intimamente ligada com o processo de estabelecimento da NDC brasileira, e também do debate gerado em torno da revisão do Código Florestal em meados de 2012/2013 (hoje chamado de Lei de Proteção da Vegetação Nativa, justamente para evitar a inviabilização das formações de vegetação nativa não florestais como pampa, caatinga, pantanal, etc).

Desde então a Coalizão tem agregado membros de forma crescente, e hoje já somos mais de 400 membros que se reúnem nas 12 Forças Tarefas (PSA, Mercado de Carbono, Restauração, Combate ao Desmatamento, Finanças Verdes, Fundiária, Segurança Alimentar, Código Florestal, Bioeconomia, Rastreabilidade e Transparência e Concessões Florestais).

Trabalhamos no intuito de incidir na tramitação e elaboração de políticas que prezem pelo uso sustentável da terra, prezando pela mitigação dos impactos das mudanças climáticas e por uma economia de baixo carbono. Um exemplo atual é nossa incidência no processo de construção do Plano Clima, Política Nacional de Bioeconomia e PLANAVEG.

Os membros são de diversos setores, academia, setor privado, sociedade civil, governo e mesmo entre os setores encontramos muita diversidade de posições e direcionamentos, por isso a Coalizão atua no sentido de alcançar o consentimento entre seus membros para avançar com propostas que sejam endossadas por todos em prol desse objetivo comum maior.

3. Sobre o PLANAVEG, sabemos da importância desse instrumento público para alavancar a agenda de restauração das paisagens nativas no Brasil. Como tem sido o trabalho de revisão do texto apoiado pelos membros da coalizão? Quais têm sido os avanços?

O processo de revisão do PLANAVEG foi muito rico, porque trouxe o elemento da coletividade e diversidade. A atual Diretora do DFLO (Fabíola Zerbini) teve sua carreira anterior permeada por experiências com a sociedade civil, e isso se refletiu no seu trabalho frente ao departamento de florestas. Foi sob seu comando que os coletivos pela restauração foram reconhecidos como agentes fundamentais da restauração no país, e onde a Coalizão Brasil, pode contribuir amplamente para a construção do documento final, tanto como convidada no CONAVEG, como com líderes das FTs ocupando cadeiras em todas as CCTs (Câmaras Consultivas Temáticas). 

Foi um longo período de reuniões periódicas e colaborações em documentos de forma assíncrona para que toda a nossa rede pudesse de alguma forma contribuir para esse processo, envolvemos mais algumas FTs pelo tema ser mais correlato, mas não impediu que membros de outras FTs também pudessem contribuir. Muito do que a Coalizão sugeriu foi de fato absorvido durante as reuniões, como propostas para desenvolvimento da Silvicultura de Nativas, integração dos sistemas de monitoramento (considerando o ORR como uma camada do futuro sistema oficial de plataformas), concessões como uma forma de estimular a restauração de áreas públicas.

Ao final do processo elaboramos um documento com todas as propostas que o MMA não absorveu no documento preliminar enviado para consulta pública, este documento será enviado para a equipe DFLO avaliar sua pertinência. O relacionamento da Coalizão com o DFLO tem sido bem profícuo na medida em que há espaços de escuta e diálogos.

4. Já que estamos falando de florestas nativas, gostaríamos de saber sua visão sobre a relevância da economia florestal no contexto da recuperação de pastagens?

A economia florestal é extremamente relevante no contexto da recuperação de pastagens, pois oferece uma alternativa e um complemento economicamente viável à atividade pecuária extensiva. Um exemplo claro é a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), que combina a produção agrícola, pecuária e florestal de forma sustentável. A ILPF permite a recuperação de áreas degradadas e o aumento da produtividade do solo, gerando renda adicional com produtos florestais, como madeira, frutos e outros recursos naturais, enquanto melhora a qualidade ambiental e contribui para a captura de carbono e a preservação da biodiversidade.

No contexto de mudanças climáticas, ter uma produção diversificada e pautada em geração de serviços ecossistêmicos para além da produtividade estritamente econômica é muito importante tanto para o produtor quanto para a sociedade em geral.  

5. E quais os principais entraves para que o Brasil avance na agenda da restauração florestal?

Essa é a pergunta que ronda a Coalizão em específico a FT Restauração há um tempo, temos tentado promover uma restauração em larga escala, com objetivo de cumprir as metas assumidas, e de fato é preciso entender a complexidade dessa resposta para começar a agir. Essa discussão tem envolvido diversos especialistas, pesquisadores, técnicos, dos diversos setores, e chegamos na sistematização de alguns pontos.

Os principais entraves para que o Brasil avance na agenda de restauração florestal, estão relacionados a desafios técnicos, financeiros, regulatórios e sociais. Um dos maiores obstáculos é a falta de financiamento adequado para sustentar projetos de restauração em larga escala. A restauração demanda altos investimentos iniciais, e há uma carência de incentivos econômicos que atraiam tanto o setor privado quanto os pequenos produtores.

Além disso, a governança e a coordenação entre os diferentes níveis de governo, federal, estadual e municipal, ainda apresentam lacunas. A harmonização entre políticas públicas, como o Código Florestal e os Planos de Recuperação de Áreas Degradadas, é essencial para a implementação eficaz das metas de restauração.

Outro desafio relevante é a falta de capacitação técnica dos produtores rurais, das comunidades locais, dos técnicos de ATER, dos prestadores de serviços e por aí vai. É necessário um programa de capacitação que seja pautado também em pesquisa e inovação na área, a restauração tropical ainda é algo recente, e mais recente ainda é a restauração de biomas não florestais, como pampa e caatinga. É preciso investimento em pesquisa para avançarmos em técnicas mais efetivas e inclusivas, sempre pensando nas comunidades e populações.

A insegurança fundiária também se mostra um problema, especialmente em regiões onde a posse da terra não está regularizada, dificultando a implementação de projetos de longo prazo. Além disso, o mercado de serviços ecossistêmicos, como a valorização do sequestro de carbono e a recuperação da biodiversidade, ainda é incipiente no Brasil, o que limita a monetização dos benefícios da restauração. 

Puxando sardinha pro meu lado, é necessário também um investimento em monitoramento dessa restauração, como é possível investir em políticas públicas ou direcionar investimentos privados se não sabemos onde, quem e como essa restauração está sendo feita? Intuitivamente a gente sabe, mas é preciso sistematizar esse monitoramento, e inserir isso como parte da metodologia da restauração, as empresas e a academia precisam assumir a responsabilidade de mapear seus projetos (e trazer informações qualificadas no no processo), e o estado assumir isso para aqueles que não têm condições financeiras e técnicas de o fazer.

Para que o país avance nesse processo, é fundamental enfrentar esses desafios de maneira integrada e coordenada.

6. Falando agora de futuro, quais caminhos e perspectivas você enxerga na agenda da restauração ecológica no Brasil para os próximos anos?

O futuro da restauração ecológica no Brasil depende de caminhos estratégicos que orquestram diversos setores e atores. Um dos pilares fundamentais para o avanço dessa agenda é a convocação do setor privado e filantropia, tanto para o financiamento quanto para a implementação de áreas de restauração. O setor privado tem o potencial de catalisar esses processos, especialmente quando aliado ao governo e ao empoderamento e à capacitação das comunidades e populações rurais, que desempenham um papel crucial na recuperação dos territórios degradados.

Além disso, a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas torna-se um argumento central para a expansão da restauração. A restauração ecológica é uma das saídas mais óbvias e eficazes tanto para mitigar quanto para adaptar-se aos impactos climáticos. O mercado de carbono também se destaca como um grande player nesse cenário. Apesar das dificuldades para aprovar o Projeto de Lei do Mercado de Carbono e dos desafios que surgem na agenda ambiental, o potencial econômico ligado à venda de créditos de carbono continua promissor. A valorização e regulação desse mercado poderá impulsionar ainda mais a restauração, gerando benefícios para o setor produtivo e para a sustentabilidade.

Outro ponto essencial é a necessidade de políticas e planos federais que estimulem a restauração, com incentivos para estados e municípios. Esse movimento requer uma verdadeira orquestração entre escalas de governo e entre setores da sociedade, promovendo uma articulação que permita expandir a restauração em larga escala. O Brasil tem liderado essa agenda globalmente, com muitas lições aprendidas ao longo dos anos que nos colocam como um exemplo a ser seguido. Nossa capacidade técnica no campo da restauração é, de fato, sui generis, e precisamos aproveitar essa vantagem para continuar avançando nessa direção, unindo inovação, conhecimento técnico e colaboração intersetorial.

Resumindo, a solução está na plena integração da agenda ambiental ao capital, bem no estilo economia verde (logo eu que fui muito crítica a essa visão). O atual paradigma de exaustão dos recursos naturais já atingiu um ponto crítico, exigindo um redirecionamento da máquina produtiva para um novo caminho, que seja sustentável e regenerativo. Esse novo modelo deve buscar produtos que cumpram múltiplas funções, gerando benefícios diretos, como madeira, frutas, hortaliças ou carne, e benefícios indiretos, como a produção de serviços ecossistêmicos. Somente dessa forma as práticas regenerativas podem acontecer na escala necessária.

viveiro de mudas
Viveiro de mudas – Ecos de Gaia | Foto: ATLAS Florestal

7. Quais os potenciais econômicos da restauração florestal para o país, entendendo que é uma cadeia complexa que envolve diferentes atores?

O potencial econômico da restauração florestal no Brasil é imenso, e há espaço para todos os envolvidos nessa cadeia. Nossas metas ambientais são extremamente ambiciosas: pretendemos restaurar 12 milhões de hectares de acordo com os compromissos nacionais, e se considerarmos o passivo ambiental de 21 milhões de hectares que precisamos recuperar, o trabalho será vasto e certamente insuficiente para toda a demanda.

A cadeia de restauração é incrivelmente diversa. Ela envolve desde coletores de sementes, produtores de mudas e prestadores de serviços em uma ampla gama de funções antes mesmo da restauração começar. Durante o processo, há também necessidade de mão de obra para manutenção e monitoramento das áreas. No caso da restauração produtiva, isso se expande ainda mais, com o escoamento da produção e todas as atividades associadas, como logística e comercialização.

Para que todos possam beber dessa água e se beneficiar desse setor em crescimento, é crucial uma organização bem estruturada. Isso inclui capacitação e assistência tanto para os fornecedores quanto para os consumidores, garantindo que todos tenham acesso às oportunidades e possam participar ativamente dessa transformação. A restauração florestal não é apenas uma agenda ambiental; é uma cadeia produtiva complexa e essencial para o futuro do país.

Fabíola Zerbini, Diretora do DFLO, sempre diz que a restauração tem que começar a ser vista como um ativo econômico, e não um passivo. Precisa ser entendida como mais um elemento para movimentar a economia e gerar renda e emprego, como já foi comprovado por cientistas brasileiros, cada hectare de restauração pode gerar 1,5 empregos, o que estamos esperando para a restauração entrar para o PIB brasileiro?

8. Quais os benefícios para o agronegócio com a restauração florestal?

Essa é uma excelente pergunta, pois frequentemente há uma falsa dicotomia entre o agronegócio e a agenda ambientalista, como se fossem forças opostas. É como se o produtor que luta contra o cumprimento do código florestal, proteção de APPs por exemplo, está cavando a própria cova. Vimos isso tragicamente com o que ocorreu no sul do país recentemente, diversos especialistas apontaram que se a legislação ambiental estivesse minimamente cumprida, os efeitos das enchentes teriam sido menores.

Essa ideia dicotômica é uma falácia (e perpetrada pela bancada ruralista brasileira), já que o agronegócio depende diretamente de fatores ambientais como o clima, o solo e a disponibilidade de água para poder produzir. Portanto, todas as ações que possam mitigar os efeitos das mudanças climáticas, incluindo a restauração florestal, são extremamente benéficas para o setor.

A restauração ecológica ajuda a regular o regime hídrico, protege contra a erosão do solo e contribui para a manutenção de microclimas favoráveis à produção agrícola. Além disso, oferece oportunidades de geração de renda extra, como a venda de créditos de carbono e a diversificação da produção por meio da adoção de práticas de agricultura regenerativa, como sistemas agroflorestais e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Essas práticas não apenas aumentam a resiliência das propriedades rurais, como também melhoram a saúde do solo e ajudam a combater a degradação das áreas produtivas, tornando o agronegócio mais sustentável a longo prazo.

9. Quando falamos de restauração florestal, também falamos sobre a sociobioeconomia. Diversos exemplos no país mostram o potencial do desenvolvimento deste setor da economia. Quais os benefícios sociais, ambientais e econômicos de uma economia que gera valor a partir da biodiversidade?

A Coalizão Brasil está diretamente envolvida na construção dos planos de bio e sociobioeconomia no contexto do UK Pact, pois acredita que essa é uma estratégia fundamental para gerar renda a partir de ações integradas à natureza, sem perder de vista as populações menos favorecidas.

Os benefícios dessa economia que gera valor a partir da biodiversidade são amplos. No aspecto social, ela promove inclusão e oportunidades para comunidades tradicionais, agricultores familiares e povos indígenas, garantindo que essas populações sejam protagonistas na geração de renda e desenvolvimento local. No quesito ambiental, a sociobioeconomia favorece a preservação e o uso sustentável dos recursos naturais, contribuindo para a restauração de ecossistemas, a conservação da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas.

Do ponto de vista econômico, a sociobioeconomia possibilita a criação de novos mercados sustentáveis, como o de produtos florestais não-madeireiros e serviços ambientais, gerando valor ao mesmo tempo em que preserva o capital natural. Assim, ela alinha benefícios sociais, ambientais e econômicos, promovendo um desenvolvimento equilibrado e inclusivo.


Coalização Brasil – Clima, florestas e agricultura

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Tainah Godoy

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